22.8.06

Miudezas de segunda

De todas as imundícies, ai meu rapaz, há poucas tão belas quanto beber vinho direto no gargalo, desrespeitando as normas da etiqueta em favor de Baco. Nada como sabotar uma segunda-feira com idéias mirabolantes sobre poços artesianos no sertão e cafés gauleses e entregar-se à tela branca, irmã-gêmea do tédio nas noites geladas da capital.
Melhor que isso, só transformar-se em cão vadio e morrer de choradeira, por amor ou estresse pós-traumático da ausência de perspectivas e excessos de trabalho. Nada como cultivar um pouco de ódio com ócio, sem justificativas cristãs e delongar-se sobre o miserê do mundo. Hermano, estamos cerrando las portas, venga mañana que hoy el día no esta para peces.


Balinhas de goma, pipas e amoras são das coloridas coisas
. Da ausência de cor e da cor plena, são os filmes noir e as zebras.

Broken nose

She came walking straight against the wall, doubtless. She was obviously nervous, shaking her hips in a bad mood style. Long hair, skirts, boots. She was beautiful. She broke her nose and it started bleeding. Soundless. She made small movements with her hand, trying to stop the bleeding. She looked at me, and then I said: do you need my used napkin?

21.8.06

Estratégias de marketing medonhas

Visa. Para ganhar ingressos para o Cirque de Soleil, esse espetáculo do circo corporativo mundial, é muito simples: você precisa gastar R$ 200 no seu cartão, de uma vez só (nada de fazer várias comprinhas de baixo valor) e levar o comprovante, junto com o cartão, a um posto da Visa no Morumbi ou Tatuapé, locais de acesso muito fácil. Depois de pegar uma fila, você apresenta o comprovante e ganha uma caneca linda do Saltimbanco, na qual há um adesivo que, ao ser descolado, pode conter o incrível prêmio: dois ingressos para o Cirque, numa área lá no fundão que ninguém comprou.
Ei, alguém aí está se sentindo o jumento dos Saltimbancos???

Propaganda da Justiça Eleitoral para incentivar o voto. Diz que você tem olhos para ver, ouvidos para ouvir e cérebro para pensar (ueba!) antes de votar. Afinal, o Brasil tem a cara do seu voto.
Baita sacanagem com deficientes visuais, auditivos e pessoas estressadas como eu.

A melhor: outdoor do “Grande julgamento do ano”, uma espécie de game dos advogados, onde haverá a simulação de um tribunal. Tenho medo das pessoas que aparecem no outdoor. Muito medo.

Dúvidas que assolam mentes infames (parte I)


Por que algumas pessoas jantam as sete da noite? E como elas conseguem estar em casa nesse horário?
Por que todas as sextas-feiras eu chego em casa acabada, como se eu trabalhasse em uma lavoura, quando na verdade eu trabalho com Internet?

Por que eu não consigo conciliar cigarro e esteira, a não ser de praia?

Dica de música grátis

Você, como eu, não agüenta mais o universo indie? Não quer mais saber do mundinho que tem sempre as mesmas pessoas? Está cansado de ir aos mesmos lugares descolados? Pois então fique em casa escutando 2 pérolas da música mundial: Barry Manilow e Damião Experiença. Garanto que você vai se divertir muito, gastar pouco e ainda evitar filas e flanelinhas. Não, eu não vou dar os links com trechos das músicas. Deixa de ser zebra e pesquisa na rede.

O segredo do sucesso/por Joselito

Meu amigo Joselito, que estudou comigo no primário, trabalha em um grande banco, ganha um salário milionário e mora um duplex de frente para a praia. Qual o segredo de seu sucesso (ou como ele conseguiu chegar lá e eu não)?
Segundo o meu amigo Joselito, ele é bem pago para fazer cagada. Explique-se: todos os dias de manhã, Joselito ingere uma quantidade descomunal de cereais. Devido a isso, um pouco antes do horário do almoço, Joselito busca o jornal que ainda não foi confiscado por nenhum de seus chefes e dirigi-se impiedosamente ao banheiro do banco, saindo de lá apenas quando termina o seu serviço. Entenderam?

Dica para a boa convivência social: se você tem vergonha de usar o banheiro da firma para fazer o número 2, não seja infame a ponto de entupir a privada com papel apenas para não fazer barulho de ploc na água. Resolva o seu problema em casa ou liberte-se de uma vez. Participe da campanha “eu não tenho medo do número 2” e ganhe um rolo de papel higiênico Neve.

JANUÁRIO/ POS FAULKNER

Todos os meses há anos, ela passava por isso, indo fundo, fundo, fundo até que uma pedra batia na sua cabeça e recomeçava todo o círculo. O gosto da manga, estranho gosto, como gosto de coisa vencida, passada. Repetição. Repete comigo, a moça miúda dos olhos arregalados dizia. Repete, vai. Daí você pode ir para casa. E-le-fan-te. Man-ga. Por que você ao menos não tenta, não se esforça? Daí pode ir para casa, mas assim, se não cooperar, será difícil nos entendermos. Faço o melhor que posso. A pedra vem vindo, a pedra vem. A colocaram de frente para a janela, ampla. Seus olhos percorriam todos os mínimos detalhes, sempre os mesmos. E, mais à noite, quando o silêncio rasgava aquela imensidão da sua mente, o obsceno a que ele a submetia. Violentas noites, ele a apertava com força, os olhos assustados pedindo socorro naquela imensidão. De novo a pedra, o círculo.
Em algum lugar do mundo alguém mais passava por isso. Tinha de ser assim. Ele não possuía a coragem dos bravos, e não havia outra maneira que não subjugar o outro, para conseguir favores. Mas dela, o que conseguiria dela? O mesmo que todos os demais, prazer, fúria entredentes.
Então chegou o dia dela partir, eles encontraram um hospital que a aceitasse, um centro para autistas. Ela o viu aproximar-se: você vai embora, então. Sua retardada. A segurou com força pelo braço: sua retardada, ao menos você não fala. Se pudesse falar, o que falaria?
Januário entrou no ônibus. O trocador, um senhor baixinho e careca, menos dentes do que deveria, pediu a passagem. Desce aonde, moço? Desço em São Caetano. Já em Pernambuco? É, em Pernambuco. Que diferença fazia, tudo aquilo era igual, seca, sol, poeira, morte, sertão. Ele sentia-se especial, ia fazer um trabalho com os pobres sertanejos, ajudar a construir um mundo melhor. No meio da noite, no chacoalhar do ônibus, ouviu o grito calado de sua irmã autista. Acordou sobressaltado, suava. E se alguém descobrisse toda a farsa e hipocrisia, suas mentiras? Temeu por mais de hora ser encurralado, descoberto, julgado. O ônibus parou. Romeiros, brasileiros comuns, estudantes, catadores de caranguejo amontoavam-se para comer um pedaço de tapioca, tomar uma dose de cachaça e seguir em frente. Januário ficou encostado à porta do ônibus, observando a multidão e a fumaça de seu cigarro. Lembrou dos olhos assustados de Luzia, pedindo socorro.
Então vai me dizer que você nunca amou ninguém?
Como você assim, não.
Verdade?
Verdade. Por isso eu digo que não tenhas medo, é novo para mim também.
Mas eu tenho. Medo. Como vou saber que é verdade?
Não vai saber. E a encostou contra a parede, segurou seus braços com força. E viu os olhos assutados de Luzia. Maldita retardada que me persegue até aqui.
Januário entrou na sala. As pessoas levantaram-se para aplaudir. Enquanto procurava o texto de agradecimento ao prêmio por tantos anos dedicados ao trabalho com os sertanejos, encontrou os olhos de sua irmã na platéia. Todos os olhos eram os olhos dela, os olhos dos sertanejos e de todas as mulheres de sua vida.
Januário entrou no quarto. Estava escuro, tateou para acender a luz. Sentado, chorando, pediu perdão. E descarregou a arma.
Januário estava nas manchetes de jornais, na TV ao vivo. Matara os olhos que o perseguiam, o fantasma. Matou Luzia com uma bala só, dentro do centro de reabilitação. Seus olhos, dessa vez, nada diziam.

HOMOS HORACIUS


Uma nova espécie humana foi descoberta por cientistas na última semana. Trata-se do homos horacius, uma evolução pós-capitalista do homos sapiens. O homos horacius não tem uma área geográfica específica, sua reprodução acontece em toda a Terra, mas há ambientes mais propícios ao seu estabelecimento, como os escritórios. Com aparência e hábitos similares ao homos sapiens, o homos horacius diferencia-se no aspecto cultural de seu ancestral direto.
Enquanto o homo sapiens, devido a complexidade de sua mente e necessidade de sobrevivência, criou mecanismos sociais para garantir sua permanência na Terra, como a cultura e a cooperação e competição, o homos horacius desconhece essas características.
Como espécie mais evoluída do homos sapiens, o homos horacius não é competitivo, tampouco cooperativo: sua sobrevivência advém da capacidade de não se envolver em problemas em nenhum grau. Basicamente, o homos horacius não assume nenhuma responsabilidade e tem uma invejável competência para mostrar-se sempre limitado. Essa aparente limitação intelectual ou técnica não passa de uma estratégia para não receber nenhuma atribuição adicional em suas atividades cotidianas. Quando, por força das circunstâncias, o homos horacius recebe uma nova atribuição, ele esforça-se ao máximo para não completá-la a contento, de modo que não seja mais convocado a exercer tal papel.
A principal característica do homos horacius é ter braços curtos, que não o permitem abraçar mais de uma causa ou trabalho por vez. Entre outras características marcantes do homos horacius está a lentidão e burocracia, a falta de iniciativa e de senso de cooperação (por que ajudar aos outros, se isso apenas aumentará minha carga de trabalho?), o desenvolvimento de retórica elaborada para culpar os outros, a ausência de capacidade para tomar decisões e assumir responsabilidades, a elaboração de técnicas para reduzir seus esforços sem que os demais homos sapiens percebam.
Devido a essas características, o homos horacius, quando em convivência com o homos sapiens, tende a ser segregado e dispensado na primeira oportunidade. Uma vez que seu habitat mais profícuo é o escritório, o homos horacius tende a ter vida longa, sempre mudando de área e muitas vezes crescendo de modo assombroso na hierarquia, pois o homos sapiens, menos evoluído, é capaz de recomendar o homos horacius apenas para livrar-se dele.
Os cientistas acreditam que o homos horacius, por ser mais resistente e ter menos iniciativa e cooperação que o homos sapiens, deve sobreviver por mais tempo na Terra. Há relatos, inclusive, do grande espaço que vem sendo conquistado pela nova geração de homos horacius em programas Trainee e seleções de empresas, uma vez que eles também são mais maleáveis e influenciáveis que o homos sapiens.


Alguns relatos interessantes do homos horacius:

·Testemunhamos um filhote de homos horacius, conhecido como criança, dando o golpe no professor de natação: ao invés e nadar dez piscinas, a pequena criatura nadou seis e fingiu que eram dez;
·Um homos horacius solicitou três vezes a mesma coisa a uma determinada área em uma empresa e não conseguiu finalizar um trabalho. O objetivo, alcançado, foi deixar o solicitante irritado a ponto dele mesmo fazer a tarefa, sem a ajuda do homos horacius.
· Outro homos horacius responsabilizou um colega homos sapiens por não ter enviado as informações adequadas para um projeto e, por isso, não conseguiu terminá-lo. Desse modo, ele livrou-se da pecha de incompetente e ainda postergou por uma semana o projeto.