23.9.06

Em defesa da Cicarelli e do sexo marítimo

Então a Daniela Cicarelli deu uma no mar. E perdeu contratos de publicidade com pelo menos duas empresas, das quais era garota-propaganda. Tudo porque um infeliz sem ter mais o que fazer resolveu perder um dia de sol em Cadiz para filmar a aventura da moçoila.
E a cada dia surgem mais piadinhas, como Miojo Cica sabor caldo de galinha e outras pérolas do gênero. E as mocinhas ingênuas encaminham e-mails com o link para a façanha da “galinha”, com comentários do tipo: olha a vagabunda da Cicarelli na Espanha.
Numa boa, mas que discurso é esse? Que hipocrisia é essa de chamar a garota de galinha, vagabunda ou afins só porque ela transou com um cara no mar? Essas mocinhas e outros indignados deviam é dar uma no mar para ver se relaxam. Quem nunca fez isso, só tenho a declarar: que pessoa sem sorte (ou sem imaginação). Quem nunca esteve no auge de uma nova paixão e esqueceu de tudo em um momento mais quente? Isso é viver.
O mais impressionante é que os comentários maldosos venham de mulheres, que assim só reproduzem o machismo e preconceito reinante com aquelas que são donas de seus corpos e de sua sexualidade e não precisam dar satisfação a ninguém. Chamar qualquer garota de galinha, vagabunda ou outro adjetivo de mulher insegura porque ela transou com alguém no mar é no mínimo ultrajante, pois reproduz o pensamento mais conservador e tacanho de homens que não merecem um dedo de conversa. Sem contar que ela estava com o namorado (não que isso faça qualquer diferença, pois ela poderia estar com qualquer um, com um vendedor de coco espanhol).
A mim, esse discurso soa como conversa de mal-amada que não consegue assumir a sua própria existência afetiva. Cada um faz o que quer com o próprio corpo. E ponto. E sem essa de que a guria é figura pública. Ela não deu uma em Maresias, na areia. Estava em outro país, se afastou para um lugar mais reservado e foi para o mar. As únicas testemunhas deveriam ser os peixes, e olhe lá (porque eu acho que eles têm coisas mais interessantes para fazer do que dar uma de voyeur).
Em um caso como esse, o que deveria se discutir é a falta de respeito à privacidade das pessoas, mesmo públicas. O trabalho dela é público, merece ser discutido e pode até ser notícia. Mas a trepada da Cicarelli com o namorado é notícia? Isso demonstra a miopia dos veículos de comunicação, em um país com tantos problemas sérios, de dar audiência para um sujeito sem sorte cujo trabalho é filmar celebridades em seus momentos privados, sem permissão.
Vale também uma análise da mídia Internet e de sua capacidade mobilizadora e de divulgação. O incrível é que na rede as pessoas passem adiante esse tipo de assunto, em detrimento de outros mais interessantes. È o espelho de um país machista e de mulheres que reproduzem esse discurso e depois reclamam que não encontram um cara legal para namorar. Elas próprias alimentam a estupidez de homens com visão torpe que acreditam em baboseiras como virgindade e “mulher que dá de prima é vadia”. Na boa, quem ainda cai nesse tipo de historinha?
As mulheres fariam mais por si mesmas se fossem mais seguras e se apoiassem, assim como os meninos (que não são nossos inimigos, só para constar).
Aposto que as galinhas se divertem mais e sabem se relacionar melhor do que as puritanas de plantão, inseguras e à procura de um príncipe para se tornarem dependentes. Liberdade é a maior riqueza do ser humano. Mas, pelo jeito, ser livre, inclusive de preconceitos, não é uma premissa em pleno século XX. Como diz um amigo, ainda vivemos a barbárie que a Europa experimentou nos 1.200.
Mas esses casos pelo menos servem como pauta de blog e de discussão sobre os valores de nossa sociedade. Não, eu não sou amiga da Cicarelli, sequer a conheço e não estou nem aí para quem ela dá ou deixa de dar, se ela gosta de dinheiro ou não ou come alface. Sorte dela ser bonita e ter vários namorados. E ainda poder passar as férias na Espanha. Deixem de ser recalcadas, mulheres que passam adiante mensagens chamando outras meninas de galinhas.
Vão dar uma no mar, para ver se a vida de vocês fica mais interessante (e aí vocês param de se preocupar com a do alheio).

PS – o único mau exemplo poderia ser o fato deles não usarem camisinha. Porque, camisinha, tem de usar!
PS2 – que belo exemplo dão as empresas que cortaram os contratos de Cicarelli! Não seguram a banca de uma trepada?

17.9.06

As grávidas são sagradas no Marrocos? Relato de um jantar a dois.

Um casal de amigos teve uma semana difícil no trabalho, uma daquelas sextas-feiras em que o asfalto assobia de tanto calor, reuniões tensas, dor de cabeça, trânsito, enfim, as mazelas da vida moderna no terceiro mundo, quando se tem a sorte de ter um emprego.
Optaram por ficar em casa na sexta, assistindo a TV, atividade que até passaram a achar prazerosa depois de um dia infernal. No sábado, cada um foi resolver as suas pendências – hoje em dia, casais não passam mais o sábado juntos, precisam resolver os problemas de pessoa física, porque durante a semana são engolidos pela pessoa jurídica – e optaram por um jantar romântico, em um restaurante marroquino, para desanuviar das dores da semana e voltar a conversar como gente civilizada, sobre coisas civilizadas. Abaixo, o fantástico jantar:

Cena 1 – frio em São Paulo, trânsito na noite. Eles param em frente a uma garagem, próxima ao restaurante, pois o suposto vallet do restaurante indica que aquele é o melhor local.
Cena 2 – o vallet informa que são R$ 10. Assim, sem ticket nem nada, mas com seguro (no caso, a presença dele era o seguro).
Cena 3 – adentram o restaurante por suas portas em estilo palácio marroquino. O local está lotado. Escolhem uma mesa no canto, romântica. Pedem um suco de abacaxi e uma cerveja.
Cena 4 – nem o suco nem a cerveja chegaram, passados 15 minutos. Uma grávida e o suposto pai da criança entram no recinto.
Cena 5 – eles fazem o pedido e conversam amenidades, isso quando conseguem se comunicar, porque a trilha sonora de fundo é uma música árabe bem alta, embalada pela apresentação de dança de ventre de uma moça rechonchuda.
Cena 6 – meia hora se passou. Nada de suco nem cerveja. Muitos cigarros fumados e o garçom, marroquino e confuso, vem a mesa esclarecer que o pedido feito por minha amiga acabou. Como assim? Tem, mas acabou? O garçom explica que a moça grávida pediu a mesma coisa que ela e, sabe como é, estando grávida, ele não poderia negar o prato a ela...
Cena 7 – o casal discute se pede outro prato ou vai embora. Eles estão famintos, a música está alta, a confusão permanece e nada de suco ou cerveja.
Cena 8 – 1 hora se passa. Chegam o suco e a cerveja. O garçom informa que o prato solicitado por meu amigo sai em 5 minutos. Eles aguardam.
Cena 9 – a grávida e seu par já estão na sobremesa.
Cena 10 – passada 1 hora e meia, meus amigos desistem e saem do restaurante, depois de uma enorme dificuldade para pagar o suco e a cerveja porque o moço do restaurante passava o cartão com a tarja ao contrário.
Cena 11- irritados e famintos, eles saem em meio à chuva e frio de SP atrás de uma pizza.

Moral da história: no Marrocos, mulheres grávidas devem ser sagradas (se alguém tiver mais informações sobre isso, por favor me avise); sempre devemos seguir nossa intuição (meu amigo queria pedir uma pizza e ver um DVD em casa); se uma mulher grávida chegar antes de você em um restaurante que tem o número de pratos limitados, torça para que ela não peça a mesma coisa; quando se está estressado, o melhor é ficar em casa, quieto.

PS – se uma mulher grávida chegar a um restaurante e não tiver o que ela deseja comer, há risco da criança nascer com cara de cuscuz marroquino, por exemplo?


Medo do Visconde de Sabugosa

Se eu tivesse de atribuir a alguém uma grande influência na minha vida, este seria Monteiro Lobato. No contato com sua obra, ainda muito menina, descobri a magia das letras, o que me levou, anos depois, aos bancos da escola de Jornalismo. Hoje não vivo das letras (elas já foram um ganha-pão), mas elas vivem em mim da mesma maneira.
Mais que isso, Monteiro Lobato foi o sujeito responsável por períodos de terror em minha infância. Não me refiro a Cuca, a jacaré malévola do Sítio do Pica-Pau (em dias de globalização seria Sítio do Picachu), mas ao Visconde de Sabugosa. Eu nutria uma grande admiração pelo Visconde de Sabugosa, porque ele era um milho culto, estudado, muito sábio. Por outro lado, ele também me assustava muito, justamente porque era um sabugo de milho, com óculos e um chapéu cartola, que vivia em uma estante! Como assim um milho que vive em uma estante, em meio a livros? É uma coisa assustadora, pensar que aquele sabugo do seu prato um dia ganha vida e vai viver na sua estante, lendo os seus livros?
Eu tinha medo do Visconde de Sabugosa. E deve ser por isso que às vezes tenho medo de alguns intelectuais, quando vejo suas fotos estranhas em coleções como “Os pensadores”...
Mas, como diz um amigo infame e publicitário (ops, redundante), o pior é pensar que se o Visconde de Sabugosa esquentasse a cachola, virava pipoca! Socorro.