27.4.07

Borboletas inocentes em ciano e magenta


A arte, obra humana forjada em sentimentos, em imponderáveis intangíveis, é um dos alimentos favoritos de minha alma inquieta.
Em frente à oficina, tragava um cigarro à espera. Uma espera boa, sem angústia, plácida. Em frente ao ponto de ônibus, em meio ao tráfego ensurdecedoramente incessante, ela se debatia, tentando respirar e chegar mais alto. Uma borboleta, amarela e preta, tentava desviar dos veículos tão mais gigantes e alçar vôo rumo ao céu. Ela estava angustiada e sua angústia tornou-se violenta e veloz, e ela finalmente encontrou um rastro rumo ao cinza acima.
Imitando a borboleta em meu ciano preferido, eu tentava respirar violentamente para também ser veloz. Quando quase chegava à superfície da água para alçar vôo, me dei conta do magenta em meus dedos e me deixei levar pela sedutora combinação do ciano e magenta no fundo da piscina. De borboleta tornei-me sapo. E isso me deixou feliz: um sapo seduzido por cores primárias.
Na ida a avenida era só desespero imóvel, o tempo sempre correndo angustiado contra nós.
Pausa: Ei, me empresta o fogo?
Eu lhe dou o cigarro. O semáforo abriu, pode ficar com o cigarro...
Õ, sempre pára. E me devolve o cigarro.
Adictos sempre se ajudam para perpetuar o vício.

E depois, levamos umas bofetadas, ao constatar a miséria de nossa solidão, de nossos sonhos torpes e idéias idem. Ao constatar os suicídios a que nos submetemos. “Ai, se eu trabalhasse em um posto de gasolina”. “Às nossas diferenças, daremos o nome de amor”. “A desconfiabilidade do mundo - a economia e as ciências naturais dominaram o mundo. As ciências humanas já não têm mais o que perguntar”. “Meus pensamentos são escuros”. Inocência, é o nome da peça.
Na volta, a avenida era só minha, como eu gosto que ela seja. Luzes verdes e antenas altas.
Se for faltar alimento, que a arte seja o último a desaparecer.

Inocência: www.satyros.com.br
Foto: Borboletas, Museu História Natural, NY