17.1.07

EUTANASIA to Mike


Vou lembrar de todas as vezes que você me adivinhava e chegava correndo ao portão antes que eu descesse do táxi. Era o primeiro a me dar boas-vindas de volta. O primeiro a chegar quando escutava qualquer barulho nos arredores. O primeiro a me dar bom-dia quando eu descia da escada sonolenta. Vou lembrar da primeira viagem que fizemos juntos, você ainda muito pequeno e descobrindo a vida, enfiando o focinho na água da cachoeira. Vou lembrar do seu primeiro dia na Prainha, cavando e correndo todos os espaços. Vou lembrar do dia em que você se desprendeu da coleira em minhas mãos, atravessou a avenida correndo enquanto todos os carros paravam de sopetão e chegou antes ao Ibirapuera, tudo por causa de uma namoradinha cã. Vou lembrar de todas as vezes que você me viu chegar de madrugada, feliz, bêbada, triste, com sono. Vou lembrar de como você gostava da piscina, de ficar estatelado no sol, de como pulava de alegria quando ia passear, de como rondava a mesa em todos os churrascos, de como era carinhoso e mais companheiro que muito ser humano que eu conheço. Vou lembrar da sua companhia quando eu estudava no quintal, da viagem que fizemos todos juntos para Lumiar no sítio que foi o seu paraíso. Vou lembrar das trilhas, de como você era folgado com os outros cachorros. Vou lembrar de seus filhotes e de sua namorada Naomi. Vou lembrar do seu bigode que já estava meio branco e de suas patas cheias de lama em minhas roupas. E de todas as vezes que você destruiu o jardim. Vou lembrar da noite em que cheguei em casa e você estava bêbado de pina colada, com o cesto de lixo na cabeça. E do buraco que você fez na parede e que ainda está aqui. Vou lembrar de você todas as vezes que for ao Rio e ver o vazio naquele jardim. Eu espero que você esteja melhor agora, lá no céu dos cachorros, porque eu gosto de pensar que existe um céu de cachorros, ainda que não tenha certeza sobre isso. Eu vou sentir muito a sua falta, Mike.