30.1.08

calles porteñas

"O taxista, creio que meio borracho, disse-me: esse cara gosta de você. Como ele pode saber? Ele ficou te esperando na chuva. Nada é bem assim o que parece, meu senhor. E a crise, como vai? É meu último dia aqui, talvez nunca mais te veja e vou levando comigo o teu gosto, o teu sotaque rápido, um comentário sobre Kant.

O mesmo amor, a mesma chuva. Um reencontro em Buenos Aires, na chuva, ao amanhecer em ruas vazias. Um beijo já cheio de saudade, um abraço forte. Eu não acredito nessas coincidências da vida. Eu sabia por alguma razão eu sabia quando decidi ir a Palermo Viejo que havia algo a me conduzir por aquelas ruas. Quando você chegou perto de nossa mesa, sugerindo um ou outro vinho, eu olhei para ti e pensei em como eras bonito. E depois em minha mesa, falando de perto e eu anestesiada pelo álcool, discutíamos o cinema argentino, a mídia, a América Latina. Tive de ir embora, deixaste um número que não conseguia chamar. Caminhei horas pelas ruas portenhas até chegar a tua casa.

Depois do tango trágico, no bar eu já desistira de ti. Na hora de pedir a conta, eis que tu entras de bermudas e chinelos, paga a minha parte. Em segundos estávamos sós. E eu egocêntrica falava me gusta eso y aquello. E tu: me gusta vos.

Saímos pelas ruas a esmo, na chuva fina. Terminamos escrevendo em um espelho embaçado a revolução latino-americana, falamos de filosofia, da estupidez do mundo, de como a Europa é o velho mundo. Conhecíamos-nos há anos. E sobre cinema, claro. E eu sobre quadrinhos, gírias, rap. Sobre angústia e medo. E sonhos. Aprender a amar em espanhol.

Não achei que responderias minha mensagem e minha vida estava medíocre como sempre. Por isso tampouco me importava. E a cada nova palavra, difícil escrever na tua língua, ia sentindo mais como você. E desejando sair daqui, pegar o próximo vôo. E então vem esse eu te amo e não sei o que fazer, estou esperando a resposta."

Da lagarta na perna, Última noite em Buenos Aires