22.7.06

Mariana Zen

Depois do câncer de pulmão, do enfisema, do enfarto e dos problemas circulatórios, tudo tão divulgado e esmiuçado para quem quisesse ver, ela já tinha se convencido a respeito do cigarro. A Mariana, sabe como é, chegando aos 30, tinha de tomar uma decisão meio dramática. Convenceu-se a mudar o estilo de vida. “Ainda é tempo”.Comprou uma revista na linha “emoção e razão”, porque antes de começar a agir, precisava de informação. Entre um chocolate e outro, folheou as reduzidas páginas com tantos anúncios e aprendeu uma nova respiração transcendental. Uma semana. No princípio, até enjoava com tanto ar em seus pulmões. Acordava, fazia as respirações lenta e profundamente, sentia-se já uma nova mulher. Tinha de ser, afinal o guru sumatriano dizia, ou melhor, garantia juventude com a tal respiração. Às vezes dava preguiça, mas ela manteve-se firme em seu propósito.
Então a Mariana foi para a sua primeira sessão de acupuntura. Roupa confortável, acordou antes do sol, o que para ela significava algo como escalar o Everest descalço, e seguiu em direção ao japonês das agulhas, recomendado por uma amiga que era a paz de espírito em pessoa, um ser invejável.
Mostra a língua, mede a pulsação, conversa longamente com o japonês. Vamos para as agulhas. Ela honestamente não sentiu diferença, mas era porque se tratava da primeira vez, claro. Na nova fase, não haveria mais festa sem hora para acabar, sangue transformado em cerveja, sexo sem envolvimento.
Duas semanas respirando. Decidiu tentar pilates. Quase morreu na primeira aula, mas é porque era a primeira aula, claro. Ia mudar, ou melhor, evoluir seus gostos culturais também. Comprou uma caixa com CDs de música clássica e foi ler Eça. Nas semanas seguintes, festival de cinema independente da África subsaariana.
Entre um filme e outro, encontrou a Claudinha, uma menina fútil com quem estudou. Casada com um empresário, virara produtora de moda. Um luxo!
Três semanas respirando. A acupuntura não disse a que veio, mas o pilates funcionava. Ia ficar com a barriga tanquinho, melhor que a da Claudinha.
Um mês respirando. E a Mariana começou a querer não respirar mais. O trabalho apertava, ela dormia pouco e queria comer batata frita e vegetar em frente a TV. Tudo bem, era só uma fase de desânimo, afinal ela estava com muitos projetos e fora abandonada pela faxineira.
Entregou-se ao ócio durante uma semana, encheu a cara escutando seus CDs de música clássica, teve náuseas. Voltou para o Chet Baker. É só uma fase, pensava.
O pneu furou, no meio da avenida com trânsito. Ela estava atrasada para uma reunião, o celular gritando. Suas olheiras estavam verdes. O pretendente nunca mais ligou, até ela descobrir que ele estava com outra. Desejou sexo sem envolvimento. E batatas fritas.
Parou de respirar há uma semana. Pediu um cigarro para um passante. E foi vista comendo sanduíche no Mc Donald’s. No horário do pilates.